quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

INTERLAGOS - HISTÓRIA QUE NÃO ACABA

Sempre tive trechos do antigo traçado de Interlagos na minha memória, principalmente pelas minhas referências televisivas de corridas dos anos 80. Veio o início da década de 90, a F1 juntamente com as conveniências comerciais de televisão, exigiam autódromos menores e mais seguros. Ayrton Senna foi solicitado a contribuir e surgiu o novo traçado, reduzindo dos antigos 7.960  para os atuais 4.309 metros. Houve a inclusão do S do Senna antes da curva 1, emendando no meio da curva do sol pela contramão, uma emendada da ferradura com a curva do laranja e uma antecipação da junção. Dessa forma tirou-se entre outros trechos, três curvas de alta, curvas 1, 2 e 3, além do retão, maior reta do autódromo, com um quilômetro de extensão. Há quem diga que a opção que Ayrton Senna fez foi influenciada principalmente pelo interesse por pontos no campeonato, visto que seu carro estaria, na época,  perdendo para seus principais concorrentes nos trechos de alta. Não sei e não pesquisei a respeito, mas já pensou se a reforma tivesse mantido as curvas 1, 2 e 3 e juntado a reta após a 4 ao laranja? Diminuiria um pouco menos o traçado total mas o prejuízo em termos de tempo de volta, que era uma das queixas comerciais da época, acredito que poderia ficar bem próximo ou até abaixar em relação ao atual traçado. Claro que outras considerações como segurança também precisariam ser pensadas. Além do tradicional traçado, Interlagos também oferecia a opção de se usar somente o anel externo. Ideal  hoje para provas tipo a Nascar e Formula Indy americanas.

Interlagos mudou, ganhou algumas qualidades como segurança, eficiências técnicas e conforto, mas muitos, se não todos os pilotos, que conheceram o antigo traçado afirmam que ele perdeu características raras e altamente desafiadoras e que tais características selecionavam mais os pilotos que o atual traçado. Digo senão todos os pilotos porque não vi nenhum elogio de piloto que conheceu os dois traçados. Dizem principalmente, e eu imagino, que para encarar as curvas 1, 2 e 3 tinha que ter muito peito, além de um quilômetro de reta e vácuo para ver quem frearia primeiro antes da curva 3.
Na última etapa de 2010 fui presenteado com o livro INTERLAGOS Autódromo Internacional da Cidade de São Paulo 1940 A 1980, de Paulo Scali, Imagens da Terra Editora, que conta a história do autódromo desde sua inauguração até 1980. O presente foi dado pelo ex-piloto e amigo Nilson Clemente, pai do também amigo, companheiro de equipe e campeão da Light de 2010, Caio Clemente. Nilson faz parte da história de Interlagos e não só conhece bem o antigo traçado como também correu e venceu várias corridas importantes como as Mil Milhas, 500 Quilômetros, 24 Horas de Interlagos, 25 Horas de Interlagos, Festival de Velocidade, 12 Horas de Interlagos entre outras, competindo ao lado de grandes nomes como o de seu irmão Bird Clemente, Luiz Pereira Bueno, Chico Landi, Marivaldo Fernandes, Alex Dias Ribeiro, Camilo Christófaro, Pedro Victor De Lamare, Paulo Gomes, Marivaldo Fernandes, Afonso Giaffone, Bob Sharp, Ingo Hoffmann, Artur Bragantini, Piero Gancia, Toninho da Mata, Alfredo Guaraná Menezes e Wilson Fittipaldi Jr entre tantos outros grandes nomes. Nilson fez história pilotando um Opala 80, um Maverick 20 e um Avalloe-Ford na década de 70.
Nilson Clemente e Marivaldo Fernandes
Abaixo, trechos de alguns depoimentos presentes no livro INTERLAGOS Autódromo Internacional da Cidade de São Paulo, fornecidos por alguns  pilotos que fizeram parte da história de Interlagos, especialmente quando comentam a mudança do traçado na década de 90 :
Nilson Clemente: "Falar no Interlagos antigo não é saudosismo. Quando assisti as primeiras provas do circuito novo, não entendi qual o objetivo dos coordenadores da reforma e pensei que o problema estava comigo, que era saudosismo meu. Conheci muitos autódromos pelo mundo, e Interlagos era o único que permitia toda aquela visibilidade, como se fosse um estádio, com três níveis de pista; o anel externo, que ficava num plano superior; no plano intermediário, as curvas do Sol, do Laranja, do S e Junção; e lá embaixo, no terceiro plano, as curvas 3, 4, da Ferradura, da Subida do Lago. Enfim, a corrida se desenvolvia de uma forma muito adequada. De onde estivéssemos, podíamos ver nossos concorrentes, e o público podia ver todos nós simultaneamente. Tudo o que representava interlagos foi amputado, modificado. O que restou? O que havia de pior na pista... S, pinheirinho, junção. A soberba das curvas 1 e 2, os vários pontos de ultrapassagem, tudo isso foi amputado. Impressiona-me também o fato de esse tema nunca ter sido abordado antes, sendo relegado a um plano inferior".
Alex Dias Ribeiro: "...Se interlagos continuasse com o traçado antigo seria muito mais divertido pilotar, mas talvez eu não estivesse aqui para contar todas essas histórias..."
Anísio Campos: "...Permitam-me o desvario de comparar a reforma de interlagos à estética. resta saber se outros especialistas não teriam sido capazes de readequar o circuito diferentemente, ou seja, sem amputá-lo. Talvez o deixando com uma redução facultativa, o que devolveria a dinâmica e o prazer às corridas mais longas, sem prejudicar as mais curtas. Enfim..."
Capa:Quadro de Aníso Campos/acrílico sobre tela
Bird Clemente: "...Os interesses da mídia e da Fórmula 1, o excesso de velocidade, ou sei lá o que levaram à mutilação do circuito que os competentes e velozes pilotos amavam. ... Nunca mais os pilotos de hoje vão ser desafiados pelas curvas 1, 2 subida do lago e curva do sol, que as "botas" faziam de pé embaixo; como também não mais sentirão a fantástica freada e o mergulho da curva 3 no final da grande reta. Essas características de pista separavam as classes dos pilotos de maneira nítida...Substituir a curva 1 pelo S do Senna foi uma aberração. Isso dói no coração, até porque foi deste antigo circuito que surgiu a primeira grande safra de campeões que consagraram o nosso país."
Ingo Hoffmann: "...é muito difícil explicar para os novos pilotos como era o circuito antigo de Interlagos, de tão desafiante que era. Depois da reforma, infelizmente a pista perdeu totalmente o seu charme....Na minha opinião, esse traçado acaba "nivelando muito por baixo" os pilotos em geral, pois não tem mais nenhum tipo de grande dificuldade, como ocorria antes, o que é uma grande pena...."
Luiz Pereira Bueno: "...A meu ver, interlagos foi a melhor escola de pilotagem que os brasileiros tiveram oportunidade de frequentar...Foi uma pena! Só no Brasil autoridades insensíveis não preservaram seu antigo traçado; pelo contrário, destruiram um circuito mágico como era Interlagos."
Paulo Gomes: " ...Interlagos, nesses anos, sofreu várias reformas e transformações. Os saudosistas sentem-se um pouco traídos, mas a realidade é que os tempos mudaram, o modernismo tomou conta, e deve realmente ser assim. Com os carros cada vez mais rápidos, os autódromos obrigatoriamente devem acompanhar essa evolução, com soluções na estrutura de segurança, principalmente no atendimento emergencial, não só dos pilotos como também do público, que aumentou muito nesses anos...Se temos um autódromo cada vez mais moderno, para a Fórmula 1, poderíamos pensar em colocar nosso circuito externo em condições de receber provas da Fórmula Indy e da Nascar americanas. Seria o máximo. Vamos trabalhar para isso!"
Wilson Fittipaldi Jr.: "...Considero o traçado antigo de Interlagos uma das melhores pistas do mundo, somente equiparada à antiga pista alemã de Nurburgring, onde o braço do piloto podia fazer a diferença, na redução de milésimos de segundo, em uma curva, diferente da atual pista, que hoje mais parece um kartódromo gigante..."
Sem dúvida Interlagos é hoje um dos melhores autódromos do mundo, mas ao viajar um pouco na sua história, fica claro que um dos melhores do mundo hoje, já foi um dia ainda mais rebelde com seus desafiantes motorizados.  
Pode ser que um dia, algum visionário moderno, como foi Mauro Salles em sua época, consiga novamente casar os interesses comerciais com os esportivos resultando daí uma segunda, ou até terceira opção de traçado para Interlagos. Estrutura, história e sucesso já existem e sempre desafiarão os que as conhecem e admiram. Quem sabe?
Abaixo um vídeo de 1973 onde Júlio De Lamare narra cada trecho do antigo traçado de Interlagos, na última volta do GP do Brasil de F1, com a vitória de Emerson Fittipaldi.

3 comentários:

  1. Como vc sugere, mantendo curva i, 2, 3 e 4, só ligando ferradura ao laranja, daria, exatamente, para manter um anel externo. Como era 1989 e a Indy estava prestes a vir para o Brasil, com Emerson campeão por lá, foi uma exigência do Bernie Ecclestone que o novo traçado eliminasse qualquer hipótese de se manter um anel externo... e assim foi feito. Chico Rosa quase infartou, a ponto de quase agredir Bernie fisicamente. Aí é que Senna entra na história para intermediar a briga.....

    ResponderExcluir
  2. Há muuuitos anos, com o piloto amador cheguei a encarar o velho Interlagos.
    Felizmente foram poucas vezes! Em resumo, era pavoroso! Interlagos TEVE que mudar por causa das curvas 1, 2 e 3. Depois destas, a Junção, a Ferradura e a subida do lago eram fáceis, mas as curvas 1, 2 e 3 só sendo muito, mas muito "macho" para fazer como deveria, de pé em baixo.
    Em especial a 3, sem área de escape... Quem não se lembra de um GP do Brasil que recapearam a reta e diversos carros terminaram no guard-rail (não me lembro qual ano foi, mas foram vários que terminaram acidentados na curva 3)? Neste ano, ninguém soube como não morreu mais de um na 3...
    Por um lado dá tristeza ver o Interlagos de hoje, mas por outro lado, nenhuma categoria internacional estaria correndo em Interlagos com a configuração antiga. Os carros mudaram, ficaram mais velozes nas curvas, e hoje o antigo Interlagos seria palco de uma carnificina.
    Com dor no coração digo, que ao menos hoje temos um autódromo funcionando e com boas categorias correndo.
    As curvas 1, 2 e 3 eram como os "bankings" de Monza, ou a antiga Tamburello de Imola: Sensacionais, mas assassinas. A curva do Café que ainda está lá, ameaçadora na reta dos boxes, não era nada comparada com a combinação das 1, 2 e 3, e nos últimos anos tem sido duramente questionada por todas as categorias (especialmente depois do acidente fatal do Sperafico).
    Espectacular? Sim era, mas inviável para os dias de hoje.
    Aceitemos o melhor de Interlagos, que continua sendo um circuito sensacional, com suas variações de altitude, diferentes curvas, sentido anti-horário (é um dos únicos no mundo), e o que sobrou de susto e medo ao fazer a curva do Café, e continuemos a venerar o antigo Interlagos em memória dos heróis que se forjaram naquele pedaço de asfalto que hoje está abandonado.
    Há anos deixei de correr, e vivo fora do Brasil, mas amo Interlagos, novo ou antigo, com as curvas 1/2/3 ou sem elas. Foi, é e sempre será um autódromo fantástico e um lugar mágico.

    ResponderExcluir
  3. O que eu não daria para ver as mocinhas da F-1 moderna competirem 10 voltas no velho Nürburgring - The Green Hell Legend: the Nordschleife.

    Vejam a trabalheira que uma única volta dá nos pilotos (inclui parte do novo traçado)

    http://www.youtube.com/watch?v=mufI4gMN91I

    ResponderExcluir